quinta-feira, 12 de novembro de 2009

O Apelo da Alma: Epiteto

Filosofia virou exemplo de reflexões abstratas e textos herméticos. No livro “Novas Vitaminas Filosófica”, Theo Roos a descreve, não a Filosofia em si, mas esta tal qual a compreendemos hoje, como “disciplina aparentemente analítica, conceitual, acadêmica, geralmente abstrata e autoreferente, com pouco ou nada a dizer sobre o mundo real, prático, cotidiano”. “Especular em vez de existir”, esse é o comentário do filósofo dinamarquês Soren Kiekegaar (1813 - 1856) sobre tal concepção da Filosofia.

No entanto, na antiguidade clássica, filosofia e prática eram indissociáveis, pois o conhecimento estava necessariamente ligado à ascese, ou seja, ao exercitar-se. Entendia-se, portanto, que a “arte de viver bem” é uma prática ou um “cuidado de si mesmo”. Mas o que seria esse “cuidar” de “si mesmo”? Na concepção de Sócrates seria o “conhece-te a ti mesmo”, o ocupar-se da própria alma.

Para Epíteto, ex-escravo romano e filósofo estóico que nasceu por volta de 55 d.C, “a principal tarefa da filosofia é responder ao apelo da alma. É procurar compreender o sentido de nossas dores e medos e, assim, nos libertar da sua influência”. Epíteto acreditava que a meta principal da filosofia era ajudar as pessoas comuns a enfrentar positivamente os desafios do cotidiano e a lidar com as inevitáveis perdas, decepções e mágoas da vida.

“Quando a alma grita seu apelo”, disse Epíteto, “é sinal de que chegamos a um estágio necessário e maduro de reflexão sobre nós mesmos. O segredo é não ficar bloqueado nesse ponto, perturbado, torcendo as mãos, mas ir em frente decidido a curar a própria vida. O que a filosofia nos pede é uma opção pela coragem. Seu remédio é expor, sem hesitar, inflexível e obstinadamente, as premissas falsas e enganadoras nas quais baseamos nossas vidas e nossa identidade”.

Então, seria a Filosofia uma espécie refinada de autoajuda?

Se for, pouco importa. Mas na tentativa de elucidar a questão, não vou falar por mim mesmo, vou continuar citando o mestre estóico com um recorte do seu texto intitulado “O verdadeiro propósito da Filosofia”. Viva Epiteto!

O propósito da filosofia é iluminar os caminhos da alma que foram contaminados por convicções infundadas, desejos descontrolados, preferências e opções de vida questionáveis que não são dignas de nós. O principal antídoto a tudo isso é um autoexame minucioso aplicado com bondade. Além de erradicar as doenças da alma, a vida de sabedoria também pretende despertar-nos de nossa apatia e introduzir-nos no caminho de uma vida ativa e alegre.

A habilidade no uso da lógica e do debate e o desenvolvimento da capacidade de definir as coisas com seus nomes certos são alguns instrumentos que a filosofia nos oferece para alcançar a clareza de visão e a tranquilidade interior que constituem a felicidade verdadeira.

Essa felicidade, que é nossa meta, deve ser corretamente entendida. A felicidade costuma ser confundida com prazer ou lazer experimentados passivamente. Este conceito de felicidade só é bom até certo ponto. O único e precioso objetivo de todos os nossos esforços é uma vida em expansão no caminho da plenitude.

A verdadeira felicidade é um verbo. É o desempenho contínuo, dinâmico e permanente de atos de valor. A vida em expansão, cuja base é a intenção de buscar a virtude, é algo que improvisamos continuamente, que construímos a cada momento. Ao fazê-lo, nossa alma amadurece. Nossa vida tem utilidade para nós mesmos e para as pessoas que tocamos.


Citei aqui dois livros que li recentemente e que foram muito importantes pra mim no entendimento que tenho hoje sobre Filosofia. São eles:

Ross, Theo. Novas Vitaminas Filosóficas: receitas para uma boa vida. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2008.

Epíteto. A arte de viver: uma nova interpretação de Sharon Lebell. Rio de Janeiro: Sextante, 2006.

2 comentários:

  1. Ah, meu amigo Lic... quisera eu existir menos e poder especular mais!! Bem interessante seu post!

    Beijo,

    Eli

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    1. Não seria... existir mais e especular menos?

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